Como manejar crises no transtorno borderline

Como manejar crises no Transtorno de Personalidade Borderline: o que os familiares precisam saber.

Introdução

Crises fazem parte da experiência emocional de muitas pessoas com Transtorno de Personalidade Borderline (TPB). Elas surgem de forma intensa, por vezes inesperada, e costumam mobilizar toda a família. Lidar com esse momento pode ser assustador, angustiante e até paralisante, principalmente quando se tem pouco conhecimento sobre o que está acontecendo e o que pode ser feito com segurança e respeito.

Antes de tudo, é importante dizer com toda clareza:
Se a crise for intensa, envolver risco de suicídio, agressividade física ou desorganização grave do pensamento e do comportamento, a conduta mais adequada é procurar um serviço de emergência psiquiátrica.
Nestes casos, não é papel da família conter sozinha a situação. Preservar a vida e a integridade física e psíquica da pessoa — e de todos ao redor — é prioridade absoluta.

As orientações que apresento aqui não substituem o acompanhamento profissional individualizado. Cada situação é única, e nem todas as estratégias funcionam para todas as famílias ou para todas as fases da crise. Busque apoio técnico qualificado sempre que necessário.

Dito isso, meu objetivo neste artigo é compartilhar, com base em anos de prática clínica e nos referenciais do Manejo Clínico Generalista para o Transtorno de Personalidade Borderline (GPM – Harvard Medical School) e do Grupo de Apoio a Familiares do Hospital McLean, algumas orientações que podem ajudar a compreender o que está por trás de muitos episódios de crise — e, sobretudo, como a família pode agir com mais segurança, clareza e serenidade nesses momentos.

Muitos familiares me dizem: “Sinto que estou pisando em ovos o tempo todo.”


Esse sentimento não é raro — e não é exagero. O convívio com alguém que sofre com o TPB frequentemente se torna tenso, imprevisível e doloroso, principalmente quando a família se vê sozinha diante de episódios de desregulação emocional intensa, rompantes agressivos, ameaças de suicídio ou comportamentos autodestrutivos.

Porém, com conhecimento e apoio, é possível sair do lugar de exaustão e reatividade, e entrar num modo mais reflexivo e cuidadoso de lidar com essas situações. Isso não significa se tornar terapeuta da pessoa com TPB, nem carregar responsabilidades que não são suas. Mas sim aprender a responder — e não apenas a reagir — aos movimentos da crise.

Ao longo do artigo, vamos conversar sobre:

  • o que caracteriza uma crise no TPB;
  • como compreender os padrões emocionais envolvidos;
  • quais estratégias familiares têm se mostrado mais efetivas para o manejo imediato e preventivo das crises;
  • e qual é o papel do grupo de apoio nesse processo de cuidado ampliado.

O que é considerado uma crise no contexto do TPB

No cotidiano de quem convive com o Transtorno de Personalidade Borderline, o termo “crise” é usado com frequência — mas o que realmente caracteriza uma crise dentro dessa estrutura psíquica?

De forma geral, podemos entender a crise como um momento em que a pessoa perde a capacidade habitual de regulação emocional e passa a agir, sentir e se relacionar de forma desorganizada, intensa e, muitas vezes, perigosa para si mesma ou para os outros. É uma experiência em que há um colapso momentâneo da capacidade de pensar antes de agir, de confiar no vínculo com o outro ou de sustentar uma visão coerente de si mesma e do mundo.

Em uma crise, a dor psíquica da pessoa com TPB não consegue ser nomeada, simbolizada ou contida, e acaba sendo expressa através de comportamentos abruptos — como explosões de raiva, ameaças de suicídio, automutilação, fuga de casa, uso abusivo de substâncias, rompimentos impulsivos ou acessos de choro e desespero que parecem “sem motivo” para quem está de fora.

Essas manifestações são mais do que “dramas” ou “birras”. Elas são modos primitivos de comunicação emocional, que emergem quando o sofrimento interno é grande demais para ser verbalizado ou mentalizado.

Como afirma John Gunderson, psiquiatra e criador do modelo GPM:

“As crises borderline ocorrem quando a dor psíquica se torna insuportável e a pessoa se sente sozinha, sem alternativas ou esperança. A crise é um grito por conexão, mas que geralmente é expressado de forma que afasta ainda mais o outro.”
(Gunderson, 2014, p. 23)

Do ponto de vista clínico, os comportamentos mais comuns em situações de crise borderline incluem:

  • Ameaças ou tentativas de suicídio
  • Automutilações (cortes, arranhões, queima com cigarro, entre outros)
  • Rompimentos impulsivos de vínculos afetivos ou profissionais
  • Comportamentos autodestrutivos como uso excessivo de álcool, drogas, direção em alta velocidade ou sexo sem proteção
  • Explosões de raiva, gritos, ofensas, objetos quebrados
  • Ataques de pânico ou estados de ansiedade paralisante
  • Sumiços repentinos ou isolamento completo

É importante saber que nem toda crise se manifesta de forma “visível”. Algumas pessoas com TPB entram em estados de retraimento profundo, culpabilização, silêncio extremo ou apatia. Nesses casos, o sofrimento pode estar igualmente intenso, embora se expresse de forma mais “quieta”.

Por isso, o mais importante para os familiares não é classificar o que é ou não é “grave o suficiente”, mas sim reconhecer o padrão emocional que se repete e perceber quando há sinais de desorganização, impulsividade, risco ou colapso relacional.

Outro ponto essencial: as crises borderline costumam ter um gatilho, mesmo que pareça “nada demais” para quem está de fora. Um comentário banal, uma ausência momentânea, uma frustração pequena podem ser interpretadas como abandono, rejeição ou traição — e isso pode disparar uma sequência de reações desproporcionais ao fato que as desencadeou.

Essa hipersensibilidade relacional não é teatral ou voluntária. Ela faz parte da estrutura do transtorno. E, por isso mesmo, a maneira como a família lida com esses momentos pode tanto ajudar a conter, quanto acirrar a crise.

Manejo clínico segundo o modelo GPM

O modelo Good Psychiatric Management (GPM), desenvolvido por John Gunderson e Cynthia Berkowitz, foi criado com o objetivo de oferecer uma abordagem estruturada, pragmática e acessível para o tratamento do Transtorno de Personalidade Borderline — tanto para profissionais quanto para familiares.

O GPM parte do princípio de que, apesar das dificuldades significativas na regulação emocional, as pessoas com TPB podem se beneficiar de intervenções simples, coerentes e sustentáveis, desde que baseadas em vínculo, psicoeducação e manejo estruturado da crise.

Uma das ideias mais centrais do modelo é que a crise deve ser compreendida, mas não reforçada. Isso significa que, ao lidar com um episódio agudo, o foco não deve estar em “controlar” ou “acalmar” a pessoa a qualquer custo, mas sim em ajudá-la a retomar o eixo da realidade, reconhecer os gatilhos, identificar opções e agir de forma mais funcional.

Gunderson reforça:

“O objetivo não é suprimir a crise, mas dar à pessoa os recursos para atravessá-la com o menor prejuízo possível, reconhecendo que a instabilidade emocional faz parte da condição, mas não precisa governar sua vida.”
(Gunderson, 2014, p. 112)

Princípios do manejo no GPM que também se aplicam à família:

  1. Validar a dor, não o comportamento disfuncional
    É importante reconhecer que a pessoa está sofrendo (“Eu vejo que está difícil para você”) sem necessariamente concordar com a forma como ela está lidando com esse sofrimento.
  2. Ser firme e estável, mesmo diante da instabilidade do outro
    Quando o familiar se desespera junto com a pessoa em crise, isso tende a intensificar a desorganização emocional. Manter um tom de voz firme, postura clara e atitudes coerentes é essencial.
  3. Não prometer o que não pode cumprir
    Em momentos de crise, é comum que a pessoa com TPB exija garantias: “Você vai ficar comigo pra sempre?”, “Promete que nunca vai me deixar?”, “Se você me amar de verdade, faz isso por mim…”
    O GPM orienta a não reforçar esse tipo de pensamento de tudo-ou-nada. Ao invés de prometer ou rejeitar, pode-se dizer:
    “Eu me importo com você, e quero continuar por perto, mas precisamos encontrar uma forma melhor de lidar com isso.”
  4. Reforçar a funcionalidade em vez da dependência
    Sempre que possível, valorize atitudes da pessoa que demonstram capacidade de enfrentamento. Pequenos progressos devem ser reconhecidos, mas sem criar a ilusão de “cura”. Isso ajuda a pessoa a perceber que pode, sim, lidar com os próprios sentimentos — ainda que com dificuldade.
  5. Focar no aqui e agora
    O GPM não se perde em interpretações do passado durante a crise. O foco é o momento presente: “O que está acontecendo agora?”, “Como podemos atravessar isso sem se machucar?”, “O que pode te ajudar neste instante?”.
  6. Evitar reforçar crises como via de acesso ao vínculo
    Um cuidado importante é não reforçar — ainda que sem querer — a ideia de que “só na crise eu sou visto(a)”. Por isso, o ideal é que o suporte esteja presente também fora dos momentos críticos. Isso ajuda a construir uma referência mais sólida de vínculo.

O manejo da crise, segundo o GPM, se baseia em três pilares:

  • Clareza e coerência nas atitudes;
  • Presença emocional sem sobrecarga;
  • Estímulo à autonomia gradual e funcional.

Ao invés de respostas dramáticas ou tentativas de resolver tudo, o GPM propõe um estilo de cuidado mais realista, afetivo e estável, em que o familiar sustenta a presença — mas não se dissolve nela.

Essa abordagem não elimina as crises. Mas diminui sua intensidade, sua duração e, com o tempo, ajuda a construir novas formas de enfrentamento, tanto para quem sofre quanto para quem cuida.

O lugar da família nas crises e estratégias de manejo possível

Quando uma crise acontece no contexto do Transtorno de Personalidade Borderline (TPB), é comum que os familiares se sintam perdidos, entre o impulso de ajudar a qualquer custo e a vontade de se afastar para se proteger. O que muitos não sabem — e poucos profissionais dizem com clareza — é que a forma como a família reage pode influenciar diretamente a intensidade, a duração e até a recorrência das crises.

Isso não significa que a família seja responsável por elas, mas sim que os vínculos familiares são parte ativa da experiência emocional da pessoa com TPB. As crises, muitas vezes, se organizam em torno desses laços — e não à margem deles.

“O paciente borderline não vive sua dor isoladamente. O ambiente relacional imediato — geralmente a família — participa, sofre e muitas vezes se confunde com os movimentos de desorganização afetiva.”
— John G. Gunderson, Handbook of Good Psychiatric Management, 2014.

Por que o envolvimento da família importa?

A experiência clínica mostra que, quando os familiares estão informados e orientados, o paciente tende a desenvolver estratégias mais funcionais de enfrentamento. Já quando o ambiente familiar é reativo, ambíguo ou sobrecarregado de culpa, as crises se tornam mais frequentes e desorganizadas.

O programa de apoio do Hospital McLean deixa isso claro:

“Famílias que aprendem a reconhecer padrões disfuncionais de interação e passam a responder com mais estabilidade e consistência emocional contribuem significativamente para a melhora do paciente — e para sua própria saúde mental.”
Family Guidelines, McLean Hospital, 2005.

O manejo da crise, portanto, começa antes mesmo da crise acontecer, com a construção de uma presença familiar que seja menos reativa, mais previsível e capaz de oferecer um mínimo de continência emocional.


O que a família pode fazer — e o que precisa evitar

A seguir, apresento orientações práticas que podem ajudar familiares a responder com mais clareza às situações de crise. Não se trata de um roteiro a ser seguido à risca, mas de um conjunto de referências que podem ser adaptadas à realidade de cada família.


1. Reconheça os sinais precursores

A crise não costuma “explodir” sem aviso. Geralmente há sinais: aumento da sensibilidade, mudanças no padrão de sono, agitação incomum, mensagens ambíguas sobre sofrimento, episódios de irritação ou retraimento abrupto. Observar esses sinais ajuda a intervir com antecedência e a evitar respostas impulsivas.


2. Diminua a reatividade emocional

Evite reagir com raiva, sarcasmo ou desespero. Ainda que o conteúdo da crise seja doloroso, ofensivo ou provocador, responder com intensidade só reforça o ciclo da desorganização.

Acolher o sofrimento não significa ceder a tudo. Ao contrário: o que a pessoa com TPB precisa em momentos de crise é uma presença firme, mas emocionalmente regulada.

“Eu percebo que você está sofrendo. Não vou discutir agora, mas continuo aqui. Podemos conversar quando as coisas estiverem mais calmas.”


3. Valide o sentimento, sem reforçar o comportamento

A validação é uma ferramenta central no manejo familiar. Ela permite reconhecer o sofrimento do outro sem, no entanto, incentivar comportamentos autodestrutivos ou manipulativos.

Evite frases como:
✖️ “Você só quer chamar atenção.”
✖️ “Isso é chantagem.”

Substitua por:
✔️ “Imagino que esteja se sentindo muito só agora.”
✔️ “Não sei exatamente o que você está sentindo, mas vejo que está difícil.”

A validação não apaga o problema, mas cria uma base de escuta a partir da qual outras atitudes poderão ser pensadas.


4. Estabeleça limites claros, com calma e coerência

Muitos familiares, por medo de acionar uma crise, acabam abrindo mão dos próprios limites. O problema é que isso fragiliza ainda mais o vínculo e aumenta a sensação de descontrole.

Limites firmes, comunicados com respeito, ajudam a organizar a relação e a oferecer um contorno emocional que a própria pessoa com TPB não consegue sustentar sozinha.

Exemplo:
“Eu entendo sua dor, mas não posso aceitar que você grite ou me agrida verbalmente.”


5. Tenha um plano de ação para emergências

Prepare-se, com antecedência, para os momentos mais críticos. Isso evita decisões impulsivas ou atitudes movidas apenas pelo medo.

Um plano básico pode incluir:

  • Números de emergência (SAMU, CAPS, psiquiatra de referência);
  • Uma pessoa de confiança que possa ser acionada;
  • Um local seguro e silencioso para contenção, se necessário;
  • Frases ou gestos que costumam acalmar a pessoa;
  • Decisões claras sobre o que será feito em caso de risco grave.

6. Não use a crise como momento de decisão

Evite discutir relacionamentos, limites ou decisões importantes durante uma crise. A pessoa está vulnerável, desorganizada e com o pensamento comprometido. Priorize a segurança emocional e física no momento presente.


7. Cuide de si para sustentar o cuidado

Cuidar de alguém em crise frequente é exaustivo. Por isso, é indispensável que o familiar também tenha espaço para elaborar seus sentimentos, reconhecer seus limites e se fortalecer. Psicoterapia, redes de apoio e pausas legítimas não são luxo: são estratégias de sobrevivência emocional.

“O paciente precisa de uma família que se cuide — não de mártires exaustos.”
— Cynthia Berkowitz, McLean Family Manual


A crise no TPB não é apenas um momento de explosão emocional. Ela é um ponto de ruptura que, se repetido sem elaboração, corrói os vínculos e desorganiza todo o campo relacional. Mas, se acolhida com escuta, sustentação e limite, ela também pode se tornar um espaço de construção de novas formas de estar junto — com mais clareza, respeito e presença possível.

A família não precisa — e não deve — atravessar isso sozinha. Mas também não está condenada à impotência. Informada e apoiada, ela pode ocupar um lugar fundamental no processo de cuidado, sem se anular e sem adoecer junto.

Apoio mútuo e práticas de autocuidado

Quando uma pessoa da família é diagnosticada com Transtorno de Personalidade Borderline (TPB), é comum que todos ao redor entrem, de algum modo, em uma espécie de modo de sobrevivência. Os dias passam a girar em torno de “evitar crises”, “controlar danos”, “prever explosões” — e, aos poucos, a vida emocional dos outros membros da família vai sendo colocada em segundo plano, como se o único foco possível fosse o paciente.

Esse padrão de funcionamento, embora compreensível, é inviável a longo prazo. Nenhum vínculo se sustenta no sacrifício contínuo de um lado só. O cuidado exige presença, mas também exige que quem cuida esteja minimamente bem. Por isso, uma das dimensões mais importantes do manejo familiar no TPB é a construção de um espaço de cuidado para os próprios familiares — não como um luxo, mas como uma condição ética e psíquica para sustentar o vínculo.

“Não é raro que os familiares de pacientes borderline desenvolvam sintomas ansiosos, depressivos ou de esgotamento emocional. O sofrimento não se restringe ao paciente. Por isso, o apoio familiar precisa incluir quem cuida.”
— Gunderson & Berkowitz, Family Guidelines, McLean Hospital, 2005.

Por que o apoio mútuo importa?

Muitos familiares relatam que se sentem sozinhos, envergonhados por não saber o que fazer, ou culpados por estarem irritados, cansados ou até com raiva da pessoa que está em sofrimento. Essas emoções, embora difíceis de admitir, são legítimas. E o espaço para poder compartilhá-las sem julgamento é uma das chaves para interromper ciclos de silêncio, ressentimento e afastamento afetivo.

Grupos de apoio entre familiares são recursos fundamentais nesse sentido. Eles oferecem:

  • Informações confiáveis sobre o transtorno;
  • Contato com outras famílias que vivem desafios semelhantes;
  • Redução do sentimento de isolamento e vergonha;
  • Reflexões sobre os próprios padrões relacionais;
  • Apoio emocional e acolhimento em momentos críticos.

“Os grupos multifamiliares não são apenas educativos. Eles criam um ambiente relacional que ajuda os familiares a se fortalecerem mutuamente, reconhecerem seus próprios limites e se libertarem da culpa crônica que muitas vezes carregam.”
— Cynthia Berkowitz, Group Treatment for Families, McLean Hospital


O que é autocuidado no contexto de uma família afetada pelo TPB?

Autocuidado é, antes de tudo, olhar para si e reconhecer que você também está implicado na relação e precisa de um espaço para elaboração. É dar-se o direito de sentir, de falhar, de pedir ajuda, de dizer “não”, de fazer pausas — sem culpa.

Algumas práticas concretas incluem:

  • Participar de terapia individual, se possível;
  • Estabelecer limites de tempo e energia dedicados ao cuidado;
  • Criar momentos pessoais de descanso, lazer e silêncio;
  • Manter vínculos com pessoas que não estão envolvidas na situação familiar;
  • Ter um plano de apoio para quando você mesmo estiver emocionalmente sobrecarregado.

Cuidar de si não enfraquece o vínculo. Pelo contrário: fortalece a presença.
Quanto mais o familiar estiver emocionalmente abastecido, mais poderá responder com clareza e continuidade nos momentos em que for necessário sustentar a crise — sem adoecer junto com ela.

Conclusão

As crises no Transtorno de Personalidade Borderline não são episódios isolados — são expressões de uma dor psíquica que, muitas vezes, não encontra palavras. Para quem vive com esse transtorno, os momentos de desorganização emocional podem parecer a única forma possível de pedir ajuda, de ser visto ou de tentar conter uma sensação interna de vazio, rejeição ou abandono.

Para os familiares, esses momentos são vividos com medo, angústia, impotência ou frustração. E tudo isso é legítimo. Não existe manual pronto, nem resposta perfeita. Cada família, cada pessoa, cada vínculo terá um ritmo próprio de aprendizado e reconstrução.

O que a prática clínica nos mostra — e os estudos do modelo GPM e do Grupo Multifamiliar do Hospital McLean reforçam — é que as crises não precisam governar a vida emocional de quem tem TPB nem das pessoas que estão ao redor. Com informação, presença afetiva e limites claros, é possível atravessar esses episódios de forma mais cuidadosa, sem reforçar os padrões que alimentam o sofrimento.

“A família não é o problema. Mas, quando bem orientada, pode se tornar uma parte essencial da solução.”
— John G. Gunderson, GPM Handbook, 2014

Buscar apoio profissional é fundamental. A família pode oferecer continência, mas não substitui a psicoterapia, o acompanhamento médico ou a rede de cuidados. E, para que esse apoio familiar seja realmente possível, ele precisa vir de um lugar que também se cuida — com pausas, escuta, redes de apoio e acolhimento dos próprios limites.

Se você é familiar de alguém com TPB, saiba: você também importa. Sua saúde mental, sua capacidade de sustentar vínculos e seu direito de existir com dignidade dentro dessa dinâmica relacional são fundamentais para que qualquer cuidado seja possível.

Cuidar de quem cuida é parte do tratamento.
E nenhum cuidado é sustentável sem vínculo, sem escuta e sem a construção mútua de um espaço de respeitosa transformação.


📚 Referências

  • GUNDERSON, J. G.; BERKOWITZ, C. Handbook of Good Psychiatric Management for Borderline Personality Disorder. Arlington: American Psychiatric Publishing, 2014.
  • GUNDERSON, J. G.; BERKOWITZ, C. Family Guidelines: Borderline Personality Disorder. Belmont: McLean Hospital, 2005. Disponível em: https://www.borderlinepersonalitydisorder.org/wp-content/uploads/2011/08/Family-Guidelines-standard.pdf. Acesso em: 20 junho 2024.
Leia também:
Laura-Guerra_topo-blog-2
O que é o Transtorno de Personalidade Borderline (TPB)
Controle emocional no transtorno borderline
Borderline: Caminhos possíveis para o controle emocional – Laura Guerra
Faça seu agendamento:
Compartilhe: