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Lições de Spinoza – O que podemos fazer para termos mais prazer pela vida?

Lições de Spinoza sobre o bem viver

Havia um homem singular, um filósofo visionário que desafiou as convenções e buscou compreender a natureza da realidade, a existência de Deus e a essência humana. Seu nome era Baruch Spinoza. Nascido em Amsterdã, no século XVII, em uma família judaica sefardita (descendentes de judeus originários de Portugal), sua vida foi marcada por desafios e uma profunda busca pela verdade.

Spinoza viveu em uma época de grandes transformações intelectuais e conflitos religiosos. O século XVII foi marcado pela Revolução Científica, que abalou as estruturas tradicionais do conhecimento, e pelas tensões entre a Igreja e o poder político. Influenciado por figuras como Descartes, Hobbes e Galileu, Spinoza desenvolveu uma filosofia ousada e revolucionária.

Sua obra principal, “Ética”, publicada postumamente em 1677, é uma exploração profunda e sistemática dos fundamentos da existência. Nesse tratado, Spinoza busca compreender a natureza da realidade e do ser humano a partir de uma perspectiva racional e científica. Ele propõe uma visão monista, em que a realidade é concebida como uma única substância infinita e indivisível, que ele chama de “Deus ou Natureza”.

Para Spinoza, Deus não é um ser transcendental, mas a própria substância que compõe todas as coisas. Ele argumenta que tudo o que existe é uma expressão desse Deus-Natureza, incluindo nós mesmos. Nesse contexto, a natureza humana é entendida como parte integrante desse todo, regida pelas mesmas leis universais e dotada de uma potência para agir. Essa potência de vida é a capacidade que temos de afetar e sermos afetados pelo mundo de maneira ativa e positiva. É a expressão do nosso poder de existir e criar.

Uma maneira de reconhecer a potência de vida em nós é observar nossas próprias experiências e emoções. Prestar atenção aos momentos em que nos sentimos realmente vivos, engajados e realizados, criativos. Pode ser durante uma atividade que nos traga prazer, uma conversa significativa com um amigo querido, ou ao contemplar a beleza da natureza. São esses momentos que nos conectam com nossa potência interna e nos lembram do nosso poder de ação e afeto.

A noção dos afetos desenvolvida por Spinoza é essencial para entendermos as emoções e as paixões humanas, analisando sua origem, natureza e efeitos. Segundo Spinoza, os afetos são determinados por nossas interações com o mundo ao nosso redor. Somos afetados por coisas externas e, por sua vez, afetamos o mundo com nossas ações. Esses afetos, continua o filósofo, desempenham um papel essencial em nossa existência, influenciando profundamente nossa jornada de vida. Eles são poderosas forças internas que moldam nossa percepção, nossas ações, modos de agir, e nossos relacionamentos, dessa maneira, Spinoza compreende as emoções como respostas afetivas às interações que temos com o mundo ao nosso redor. Cada emoção representa uma reação única diante de determinadas circunstâncias, pessoas ou eventos. Elas podem ser intensas e momentâneas, como a alegria ou a tristeza, ou podem ser estados emocionais mais duradouros, como o amor ou o ódio.

Essas emoções têm um impacto direto em nossa experiência subjetiva do mundo. Elas influenciam nossa percepção, colorindo nossa interpretação dos eventos e das situações. Por exemplo, se estamos tomados pela raiva, é provável que enxerguemos os outros de forma negativa, interpretando suas ações como ameaças ou desrespeito. Por outro lado, se estamos cheios de amor e gratidão, tendemos a perceber o mundo com mais generosidade e compaixão. Além disso, as emoções também têm o poder de influenciar nossas ações e comportamentos. Elas nos impulsionam a agir de certas maneiras, orientando nossas escolhas e direcionando nossos esforços. Por exemplo, a emoção do medo pode nos levar a evitar situações consideradas perigosas, enquanto o desejo pode nos impelir a buscar algo que nos traga prazer. Spinoza também ressalta que as emoções não surgem isoladamente, mas estão interconectadas em uma rede complexa. Uma emoção pode desencadear outras, e todas elas podem se influenciar mutuamente. Por exemplo, a tristeza pode levar à solidão, e a solidão, por sua vez, pode aprofundar a tristeza.

No entanto, apesar das emoções e das paixões influenciarem, de modo rotineiro, as nossas ações e pensamentos, Spinoza acredita que podemos desenvolver uma compreensão mais consciente e saudável dessas emoções, permitindo-nos agir de forma mais livre e autêntica. Ou seja, ele nos indica que ao reconhecermos nossas emoções atribuindo-lhes um nome, elevando-as ao estatuto da linguagem e da simbolização, conhecendo suas origens e seus efeitos, conseguiremos nos afastar da prisão que nos impele a agir sem propósito, movidos por uma força que desconhecemos de onde vem e que nos causa tanto desconforto. Por meio desse processo de autoconhecimento, podemos aprender a reconhecer nossas emoções, compreender suas causas e efeitos, e agir de forma mais alinhada com nossos valores e objetivos. Ao fazer isso, nos tornamos mais capacitados para lidar com as situações da vida, superar desafios e cultivar relacionamentos mais saudáveis.

De acordo com Spinoza, a saúde psíquica reside em nossa capacidade de nos libertarmos das paixões tristes que nos aprisionam. Medo, tristeza e raiva são emoções que nos distanciam da harmonia e nos impedem de experimentar a plenitude da vida. Em contrapartida, ao cultivarmos alegria e amorosidade, encontramos o equilíbrio necessário para enfrentar os desafios com resiliência e serenidade. A saúde psíquica, para Spinoza, é alcançada quando conseguimos enxergar a verdadeira natureza das coisas e a aceitá-las como são. Ao abandonarmos expectativas irreais e ilusões, encontramos uma harmonia íntima com o mundo que nos cerca. Essa sincronia nos permite lidar com os altos e baixos da vida de maneira mais suave, fortalecendo nossa saúde mental e emocional. Spinoza nos desafia a transcender as limitações que impomos a nós mesmos e a descobrir a verdadeira natureza da existência. Sua filosofia é um convite para explorarmos nossa própria potência de vida e vivermos de forma mais conectada e realizada. No entanto, é importante reconhecer que a jornada de desenvolvimento proposta por Spinoza pode ser desafiadora. Em muitos casos, a análise e a psicoterapia são necessárias para compreendermos as complexidades de nossas dinâmicas emocionais. A compulsão à repetição, por exemplo, é um conceito psicanalítico que destaca a tendência humana de repetir padrões de comportamento e experiências emocionais não elaboradas. Esses padrões podem impedir nosso crescimento e amadurecimento, mantendo-nos presos a estados de sofrimento e desconexão que impedem nosso poder de agir.

Agora que sabemos que temos uma potência para agir e que ela precisa ser desenvolvida em benefício da na nossa saúde psíquica, apresento algumas práticas que podem nos ajudar nesse processo:

  1. Autoconhecimento: Compreender nossas características, valores, pontos fortes e áreas de crescimento é fundamental para direcionar nossa energia e esforços de maneira eficaz. Através da análise, podemos identificar o que nos traz alegria e satisfação e direcionar nossas atividades nessa direção.
  2. Autocuidado: Cuidar de nós mesmos é essencial para nutrir nossa capacidade de afetar e sermos afetados de maneira ativa e positiva. Cuidar da saúde física, dos relacionamentos, cuidar da mente, reservar momentos para o deleite, o ócio, o descanso. Também implica em reservar tempo para atividades que nos tragam prazer e relaxamento, como hobbies, meditação ou simplesmente estar em contato com a natureza.
  3. Relacionamentos significativos: Cultivar relacionamentos saudáveis e significativos com outras pessoas é uma fonte importante de amorosidade e apoio emocional. Buscar conexões autênticas, compartilhar experiências, expressar gratidão e praticar a empatia são maneiras de experimentarmos ser quem temos potencial para ser.
  4. Resiliência emocional: Desenvolver habilidades para lidar com as adversidades da vida é essencial para manter nossa potência de vida. Isso envolve cultivar a capacidade de adaptar-se às mudanças, buscar soluções criativas, aprender com os desafios e manter uma perspectiva otimista. A psicoterapia de orientação psicanalítica e outras práticas de autocuidado são recursos valiosos nesse processo.

Ao reconhecermos e desenvolvermos nossa potência de agir, tomando as rédeas da nossa vida, sabendo reconhecer aquilo que nos afeta negativamente, baixando nosso potencial de vida, abrimos caminho para a alegria, a amorosidade e a serenidade. Essas qualidades se tornam recursos para enfrentar os desafios da vida com maior equilíbrio, resiliência e bem-estar psíquico.

Espero que este texto desperte seu interesse e incite sua curiosidade sobre o pensamento de Spinoza. Se tiver mais perguntas ou precisar de alguma orientação adicional, sinta-se à vontade para entrar em contato. Estou aqui para ajudá-la e ajudá-lo em sua jornada de crescimento e bem-estar.

Referência:

Spinoza, Baruch de. Ética – Demonstrada à Maneira dos Geômetras. 1ª edição. Le Books [DP]

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